UM CADÁVER DE POETA
Levem ao túmulo aquele que parece um cadáver!
Tu nã o pesaste sobre a terra: a terra te seja leve!
L. Uhland
I
De tanta inspiração e tanta vida
Que os nervos convulsivos inflamava
E ardia sem conforto.. .
O que resta? uma sombra esvaecida,
Um triste que sem mãe agonizava...
Resta um poeta morto!
Morrer! e resvalar na sepultura,
Frias na fronte as ilusões —no peito
Quebrado o coração!
Nem saudades levar da vida impura
Onde arquejou de fome... sem um leito!
Em treva e solidão!
Tu foste como o sol; tu parecias
Ter na aurora da vida a eternidade
Na larga fronte escrita. . .
Porém não voltarás como surgias!
Apagou - se teu sol da mocidade
N’uma treva maldita!
Tua estrela mentiu. E do fadário
De tua vida a página primeira
Na tumba se rasgou...
Pobre gênio de Deus, nem um sudário!
Nem túmulo nem cruz! como a caveira
Que um lobo devorou!...
II
Morreu um trovador —morreu de fome.
Acharam- n’o deitado no caminho:
Tão doce era o semblante! Sobre os lábios
Flutuava -lhe um riso esperançoso.
E o morto parecia adormecido.
Ninguém ao peito recostou -lhe a fronte
Nas horas da agonia! Nem um beijo
Em boca de mulher! nem mão amiga
Fechou ao trovador os tristes olhos!
Ninguém chorou por ele... No seu peito
Não havia colar nem bolsa d'oiro;
Tinha até seu punhal um férreo punho...
Pobretão! não valia a sepultura!
Todos o viam e passavam todos.
Contudo era bem morto desde a aurora.
Ninguém lançou - lhe junto ao corpo imóvel
Um ceitil para a cova!... nem sudário!
O mundo tem razão, sisudo pensa,
E a turba tem um cérebro sublime!
De que vale um poeta —um pobre louco
Que leva os dias a sonhar —insano
Amante de utopias e virtudes
E, n’um tempo sem Deus, ainda crente?
A poesia é de certo uma loucura;
Sêneca o disse, um homem de renome.
É um defeito no cérebro... Que doudos!
É um grande favor, é muita esmola
Dizer- lhes bravo! à inspiração divina,
E, quando tremem de miséria e fome,
Dar -lhes um leito no hospital dos loucos...
Quando é gelada a fronte sonhadora,
Por que há de o vivo que despreza rimas
Cansar os braços arrastando um morto,
Ou pagar os salári os do coveiro?
A bolsa esvaziar por um misérrimo,
Quando a emprega melhor em lodo e vício!
E que venham aí falar- me em Tasso!
Culpar Afonso d'Este —um soberano! —
Por não lhe dar a mão da irmã fidalga!
Um poeta é um poeta —apenas isso:
Procure para amar as poetisas!
Se na França a princesa Margarida,
De Francisco Primeiro irmã formosa,
Ao poeta Alain Chartier adormecido
Deu nos lábios um beijo, é que esta moça,
Apesar de princesa, era uma douda,
E a prova é que também rondós fazia.
Se Riccio o trovador obteve amores
—Novela até bastante duvidosa —
Dessa Maria Stuart formosíssima,
É que ela —sabe-o Deus! —fez tanta asneira,
Que não admira que a um poeta amasse!
Por isso adoro o libertino Horácio.
Namorou algum dia uma parenta
Do pat rono Mecenas? Parasita,
Só pedia dinheiro —no triclinio
Bebia vinho bom —e não vivia
Fazendo versos às irmãs de Augusto.
E quem era Camões? Por ter perdido
Um olho na batalha e ser valente,
As esmolas valeu. Mas quanto ao resto,
Por fazer umas trovas devadio,
Deveriam lhe dar, além de glória,
—E essa deram-lhe à farta —algum bispado,
Alguma dessas gordas sinecuras
Que se davam a idiotas fidalguias?
Deixem -se de visões, queimem - se os versos.
O mundo não avança por cantigas.
Creiam do povilé u os trovadores
Que um poema não val meia princesa.
Um poema contudo, bem escrito,
Bem limado e bem cheio de tetéias,
Nas horas do café lido fumando,
Ou no campo, na sombra do arvoredo,
Quando se quer dormir e não há sono,
Tem o mesmo valor que a dormideira.
Mas não passe dali do vate a mente.
Tudo o mais são orgulhos, são loucuras!
Faublastem mais leitores do que Homero. . .
Um poeta no mundo tem apenas
O valor de um canário de gaiola. . .
É prazer de um momento, é mero luxo.
Contente-se em traçar nas f olhas brancas
De um Álbum da moda umas quadrinhas.
Nem faça apelações para o futuro.
O homem é sempre o homem. Tem juízo.
Desde que o mundo é mundo assim cogita.
Nem há negá- lo —não há doce lira
Nem sangue de poeta ou alma virgem
Que valha o talismã que no oiro vibra!
Nem músicas nem santas harmonias
Igualam o condão, esse eletrismo,
A ardente vibração do som metálico...
..............................................................
Meu Deus! e assim fizeste a criatura?
Amassaste no lodo o peito humano?
Ó poetas, silêncio! é este o homem?
A feitura de Deus! a imagem dele!
O rei da criação!. . .
Que verme infame!
Não Deus, porém Satã no peito vácuo
Uma corda prendeu- te —o egoísmo!
Oh! miséria, meu Deus! e que miséria!
III
Passou El-Rei ali com seus fidalgos.
Iam a degolar uns insolentes
Que ousaram murmurar da infâmia régia,
Das nódoas de uma vida libertina!
Iam em grande gala. O Rei cismava
Na glória de espetar no pelourinho
A cabeça de um pobre degolado.
Era um rei bon -vivant , e rei devoto:
E, como Luís XI, ao lado tinha
O bobo, o capelão... e seu carrasco.
O cavalo do Rei, sentindo o morto,
Trêmulo de terror parou nitrindo.
Deu d'esporas leviano o cavaleiro
E disse ao capelão:
"E não enterram
Esse homem que apodrece, e no caminho
Assusta-me o corcel?"
Depois voltou -se
E disse ao camarista de semana:
"Conheces o defunto? Era inda moço.
Faria certamente um bom soldado.
A figura é e sbelta! Forte pena!
Podia bem servir para um lacaio."
Descoberto o faceiro fidalgote
Responde-lhe fazendo a cortesia:
"Pelas tripas do Papa! eu não me engano,
Leve-me Satanás se este defunto
Ontem não era o trovador Tancredo!"
"Tancredo"! murmurou erguendo os óculos
Um anfíbio, um barbaças truanesco,
Alma de Triboulet, que além de bobo
Era o vate da corte —bem nutrido,
Farto de sangue, mas de veia pobre,
Caídos beiços, volumoso abdômen,
Grisalha cabeleira esparramada,
Tremendo narigão, mas testa curta;
Em suma um glosador de sobremesas.
"Tancredo! —repetiu imaginando —
Um asno! só cantava para o povo!
Uma língua de fel, um insolente!
Orgulho desmedido.. . e quanto aos versos
Morava como um sapo n'água doce...
Não sabia fazer u m trocadilho..."
O rei passou —com ele a companhia.
Só ficou ressupino e macilento
Da estrada em meio o trovador defunto.
IV
Ia caindo o sol. Bem reclinado
No vagaroso coche madornando,
Depois de bem jantar fazendo a sesta,
Roncava um nédio, um barrigudo frade:
Bochechas e nariz, em cima uns óculos,
Vermelho solidéu... enfim um bispo,
E um bispo, senhor Deus! da idade média,
Em que os bispos —como hoje e mais ainda —
Sob o peso da cruz bem rubicundos,
Dormindo bem, e a regalar bebendo,
Sabiam engordar na sinecura;
Papudos santarrões, depois da Missa
Lançando ao povo a bênção —por dinheiro!
O cocheiro ia bêbado por certo;
Os cavalos tocou p'lo bom caminho
Mesmo em cima das pernas do cadáver.
Refugou a parelha, mas o sota
—Que ao sol da glória episcopal enchia
De orgulho e de insolência o couro inerte,
Cuspindo o poviléu, como um fidalgo —
Que em falta de miolo tinha vinho
Na cabeça devassa, deu de esporas:
Como passara sobre a vil carniça
Reléu de corvos negros —foi por cima. . .
Mas desgraça! maldito aquele morto!
Desgraça!... não porque pisasse o coche
Aqueles magros ossos, mas a roda
Na humana resistência deu estalo...
E acorda o fradalhão...
"O que sucede?
—Pergunta bocejando: —É algum bêbado?
Em que bicho pisaram?"
"Senh or bispo"
Diz o servo da Igreja, o bom cocheiro
Ao vigário de Cristo, ao santo Apóstolo
Isto é —dessa fidalga raça nova
Que não anda de pé como S. Pedro,
Nem estafa os corcéis de S. Francisco:
"Perdoe Vossa Excelência Eminentíssima;
É um pobre- diabo de poeta,
Um homem sem miolo e sem barriga
Que lembrou -se de vir morrer na estrada!"
"Abrenúncio! —rouqueja o Santo Bispo —
Leve o Diabo essa tribo de boêmios!
Não há tanto lugar onde se morra?
Maldita gente! inda persegue os Santos
Depois que o Diabo a leva!..."
E foi caminho.
Leve- te Deus! Apóstolo da crença,
Da esperança e da santa caridade!
Tu, sim, és religioso e nos altares
Vem cada sacristão, e cada monge
Agitar a teus pés o seu turíbulo!
E o sangue do Senhor no cálix d'oiro
Da turba na oração te banha os lábios...
Leve- te Deus, Apóstolo da crença!
Sem padres como tu que fora o mundo?
É por ti que o altar apóia o trono!
E teu olhar que fertiliza os vales
Fecunda a vinha santa do Messias!
Leve-te Deus... ou leve -te o Demônio!
V
Caiu a noite, do azulado manto,
Como gotas de orvalho, sacudindo
Estrelas cintilantes. —Veio a lua
Banhando de tristeza o céu noturno:
Derrama aoscorações melancolia,
Derrama no ar cheiroso molente
Cerúlea chama, dia incerto e pálido
Que ao lado da floresta ajunta as sombras
E lança pelas águas da campina
Alvacentos clarões que as flores bebem.
A galope, de volta do noivado,
Passa o Conde Solfier, e a noiva Elfrida.
Seguem fidalgos que o sarau reclama.
Elfrida
—Não vês, Solfier, ali da estrada em meio
Um defunto estendido? —
Solfier
—Ó minha Elfrida,
Voltemos desse lado: outro caminho
Se dirige ao castelo. É mau agouro
Por um morto passar em noites destas. —
Mas Elfrida aproxima o seu cavalo.
Elfrida
—Tancredo!... vede! é o trovador Tancredo!
Coitado! assim morrer! um pobre moço!
Sem mãe e sem irmã! E não o enterram?
Neste mundo não teve um só amigo? —
"Ninguém, senhora! —respondeu da sombra
Uma dorida voz: —Eu vim, há pouco,
Ao saber que do povo no abandono
Jazia como um cão. Eu vim, e eu mesmo
Cavei junto do lago a cova impura."
Elfrida
—Tendes um coração. Tomai, mancebo,
Tomai essa pulseira... Em oiro e jóias
Tem bastante p'ra erguer-lhe um monumento,
E para longas missas lhe dizerem
Pelo repouso d'alma... —
O moço riu- se.
O Desconhecido
—Obrigado. Guardai as vossas jóias.
Tancredo o trovador morreu de fome;
Passaram-lhe no corpo frio e morto,
Salpicaram de lodo a face dele,
Talvez cuspissem nesta fronte santa
Cheia outrora de eternas fantasias,
De idéias a valer um mundo inteiro!...
Por que lançar esmolas ao cadáver?
Leva- as, fidalga —tuas jóias belas!
O orgulho do plebeu as vê sorrindo.
Missas... bem sabe Deus se neste mundo
Gemeu alma tão pura como a dele!
Foi um anjo, e murchou -se como as flores,
Morreu sorrindo como as virgens morrem!
Alma d oce que os homens enjeitaram,
Lírio que profanou a turba imunda,
Oh! não te mancharei nem a lembrança
Com o óbolo dos ricos! Pobre corpo,
És o templo deserto, onde habitava
O Deus que em ti sofreu por um momento!
Dorme, pobre Tancredo! eu tenho braços:
Na cova negra dormirás tranqüilo. . .
Tu repousas ao menos!. . .
........................................
No entanto sofreando a custo a raiva,
Mordendo os lábios de soberba e fúria,
Solfier da bainha arranca a espada,
Avança ao moço e brada -lhe:
"Insolente!
Cala-te, doudo! Cala - te, mendigo!
Não vês quem te falou? Curva o joelho,
Tira o gorro, vilão!"
O Desconhecido
—Tu vês: não tremo.
Tu não vales o vento que salpica
Tua fronte de pó. Porque és fidalgo,
Não sa bes que um punhal vale uma espada
Dentro do coração? —
Mas logo Elfrida:
"Acalma -te, Solfier! O triste moço
Desespera, blasfema e não me insulta.
Perdoa-me também, mancebo triste;
Não pensei ofender ta manho orgulho.
Tua mágoa respeito. Só te imploro
Que sobre a fronte ao trovador desfolhes
Essas flores, as flores do noivado
De uma triste mulher... E quanto às jóias,
Lança-as no lago. . . Mas quem és? teu nome?"
O Desconhecido
—Quem sou? um doudo, uma alma de insensato,
Que Deus maldisse e que Satã devora;
Um corpo moribundo em que se nutre
Uma centelha de pungente fogo,
Um raio divinal que dói e mata,
Que doira as nuvens e amortalha a terra!...
Uma alma como o pó em que se pisa ;
Um bastardo de Deus, um vagabundo
A que o gênio gravou na fronte —anátema!
Desses que a turba com o dedo aponta. . .
Mas não; não hei de sê -lo! eu juro n'alma,
Pela caveira, pelas negras cinzas
De minha mãe o juro... agora há pouco
Junto de um morto ren eguei do gênio,
Quebrei a lira à pedra de um sepulcro. . .
Eu era um trovador, sou um mendigo... —
Ergueu do chão a dádiva d'Elfrida;
Roçou as flores aos trementes lábios;
Beijou -as. Sobre o peito de Tancredo
Pousou- as lentamente...
—Em nome dele,
Agradeço estas flores do teu seio,
Anjo que sobre um túmulo desfolhas
Tuas últimas flores de donzela! —
Depois vibrou na lira estranhas mágoas,
Carpiu à longa noite escuras nênias,
Can tou: banhou de lágrimas o morto.
De repente parou —vibrou a lira
Co'as mãos iradas trêmulas... e as cordas
Uma per uma rebentou cantando...
Tinha fogo no crânio, e sufocava.
Passou a fria mão nas fontes úmidas,
Abriu a medo os lábios convulsivos,
Sorriu de desespero —e sempre rindo
Quebrou as jóias e as lançou no abismo...
VI
No outro dia, na borda do caminho
Deitado ao pé de um fosso aberto apenas
Viu-se um mancebo loiro que morria. . .
Semblante feminil, e formas débeis,
Mas nos palores da espaç osa fronte
Uma sombria dor cavara sulcos.
Corria sobre os lábios alvacentos
Uma leve umidez, um ló d'escuma,
E seus dentes a raiva constringira...
Tinha os punhos cerrados. . . Sobre o peito
Acharam letras de uma língua estranha...
E um vidro sem licor. . . fora veneno!...
Ninguém o conheceu; mas conta o povo
Que, ao lançá- lo no túmulo, o coveiro
Quis roubar-lhe o gibão —despiu o moço...
E viu. . . talvez é falso. . . níveos seios...
Um corpo de mulher de formas puras...
VII
Na tumba dormem os mistérios d’ambos;
Da morte o negro véu não há erguê -lo!
Romance obscuro de paixões ignotas,
Poema d'esperança e desventura,
Quando a aurora mais bela os encantava,
Talvez rompeu -se no sepulcro deles!
Não pode o bardo revelar segredos
Que levaram ao céu as ternas sombras;
Desfolha apenas nessas frontes puras
Da extrema inspiração as flores murchas...
Levem ao túmulo aquele que parece um cadáver!
Tu nã o pesaste sobre a terra: a terra te seja leve!
L. Uhland
I
De tanta inspiração e tanta vida
Que os nervos convulsivos inflamava
E ardia sem conforto.. .
O que resta? uma sombra esvaecida,
Um triste que sem mãe agonizava...
Resta um poeta morto!
Morrer! e resvalar na sepultura,
Frias na fronte as ilusões —no peito
Quebrado o coração!
Nem saudades levar da vida impura
Onde arquejou de fome... sem um leito!
Em treva e solidão!
Tu foste como o sol; tu parecias
Ter na aurora da vida a eternidade
Na larga fronte escrita. . .
Porém não voltarás como surgias!
Apagou - se teu sol da mocidade
N’uma treva maldita!
Tua estrela mentiu. E do fadário
De tua vida a página primeira
Na tumba se rasgou...
Pobre gênio de Deus, nem um sudário!
Nem túmulo nem cruz! como a caveira
Que um lobo devorou!...
II
Morreu um trovador —morreu de fome.
Acharam- n’o deitado no caminho:
Tão doce era o semblante! Sobre os lábios
Flutuava -lhe um riso esperançoso.
E o morto parecia adormecido.
Ninguém ao peito recostou -lhe a fronte
Nas horas da agonia! Nem um beijo
Em boca de mulher! nem mão amiga
Fechou ao trovador os tristes olhos!
Ninguém chorou por ele... No seu peito
Não havia colar nem bolsa d'oiro;
Tinha até seu punhal um férreo punho...
Pobretão! não valia a sepultura!
Todos o viam e passavam todos.
Contudo era bem morto desde a aurora.
Ninguém lançou - lhe junto ao corpo imóvel
Um ceitil para a cova!... nem sudário!
O mundo tem razão, sisudo pensa,
E a turba tem um cérebro sublime!
De que vale um poeta —um pobre louco
Que leva os dias a sonhar —insano
Amante de utopias e virtudes
E, n’um tempo sem Deus, ainda crente?
A poesia é de certo uma loucura;
Sêneca o disse, um homem de renome.
É um defeito no cérebro... Que doudos!
É um grande favor, é muita esmola
Dizer- lhes bravo! à inspiração divina,
E, quando tremem de miséria e fome,
Dar -lhes um leito no hospital dos loucos...
Quando é gelada a fronte sonhadora,
Por que há de o vivo que despreza rimas
Cansar os braços arrastando um morto,
Ou pagar os salári os do coveiro?
A bolsa esvaziar por um misérrimo,
Quando a emprega melhor em lodo e vício!
E que venham aí falar- me em Tasso!
Culpar Afonso d'Este —um soberano! —
Por não lhe dar a mão da irmã fidalga!
Um poeta é um poeta —apenas isso:
Procure para amar as poetisas!
Se na França a princesa Margarida,
De Francisco Primeiro irmã formosa,
Ao poeta Alain Chartier adormecido
Deu nos lábios um beijo, é que esta moça,
Apesar de princesa, era uma douda,
E a prova é que também rondós fazia.
Se Riccio o trovador obteve amores
—Novela até bastante duvidosa —
Dessa Maria Stuart formosíssima,
É que ela —sabe-o Deus! —fez tanta asneira,
Que não admira que a um poeta amasse!
Por isso adoro o libertino Horácio.
Namorou algum dia uma parenta
Do pat rono Mecenas? Parasita,
Só pedia dinheiro —no triclinio
Bebia vinho bom —e não vivia
Fazendo versos às irmãs de Augusto.
E quem era Camões? Por ter perdido
Um olho na batalha e ser valente,
As esmolas valeu. Mas quanto ao resto,
Por fazer umas trovas devadio,
Deveriam lhe dar, além de glória,
—E essa deram-lhe à farta —algum bispado,
Alguma dessas gordas sinecuras
Que se davam a idiotas fidalguias?
Deixem -se de visões, queimem - se os versos.
O mundo não avança por cantigas.
Creiam do povilé u os trovadores
Que um poema não val meia princesa.
Um poema contudo, bem escrito,
Bem limado e bem cheio de tetéias,
Nas horas do café lido fumando,
Ou no campo, na sombra do arvoredo,
Quando se quer dormir e não há sono,
Tem o mesmo valor que a dormideira.
Mas não passe dali do vate a mente.
Tudo o mais são orgulhos, são loucuras!
Faublastem mais leitores do que Homero. . .
Um poeta no mundo tem apenas
O valor de um canário de gaiola. . .
É prazer de um momento, é mero luxo.
Contente-se em traçar nas f olhas brancas
De um Álbum da moda umas quadrinhas.
Nem faça apelações para o futuro.
O homem é sempre o homem. Tem juízo.
Desde que o mundo é mundo assim cogita.
Nem há negá- lo —não há doce lira
Nem sangue de poeta ou alma virgem
Que valha o talismã que no oiro vibra!
Nem músicas nem santas harmonias
Igualam o condão, esse eletrismo,
A ardente vibração do som metálico...
..............................................................
Meu Deus! e assim fizeste a criatura?
Amassaste no lodo o peito humano?
Ó poetas, silêncio! é este o homem?
A feitura de Deus! a imagem dele!
O rei da criação!. . .
Que verme infame!
Não Deus, porém Satã no peito vácuo
Uma corda prendeu- te —o egoísmo!
Oh! miséria, meu Deus! e que miséria!
III
Passou El-Rei ali com seus fidalgos.
Iam a degolar uns insolentes
Que ousaram murmurar da infâmia régia,
Das nódoas de uma vida libertina!
Iam em grande gala. O Rei cismava
Na glória de espetar no pelourinho
A cabeça de um pobre degolado.
Era um rei bon -vivant , e rei devoto:
E, como Luís XI, ao lado tinha
O bobo, o capelão... e seu carrasco.
O cavalo do Rei, sentindo o morto,
Trêmulo de terror parou nitrindo.
Deu d'esporas leviano o cavaleiro
E disse ao capelão:
"E não enterram
Esse homem que apodrece, e no caminho
Assusta-me o corcel?"
Depois voltou -se
E disse ao camarista de semana:
"Conheces o defunto? Era inda moço.
Faria certamente um bom soldado.
A figura é e sbelta! Forte pena!
Podia bem servir para um lacaio."
Descoberto o faceiro fidalgote
Responde-lhe fazendo a cortesia:
"Pelas tripas do Papa! eu não me engano,
Leve-me Satanás se este defunto
Ontem não era o trovador Tancredo!"
"Tancredo"! murmurou erguendo os óculos
Um anfíbio, um barbaças truanesco,
Alma de Triboulet, que além de bobo
Era o vate da corte —bem nutrido,
Farto de sangue, mas de veia pobre,
Caídos beiços, volumoso abdômen,
Grisalha cabeleira esparramada,
Tremendo narigão, mas testa curta;
Em suma um glosador de sobremesas.
"Tancredo! —repetiu imaginando —
Um asno! só cantava para o povo!
Uma língua de fel, um insolente!
Orgulho desmedido.. . e quanto aos versos
Morava como um sapo n'água doce...
Não sabia fazer u m trocadilho..."
O rei passou —com ele a companhia.
Só ficou ressupino e macilento
Da estrada em meio o trovador defunto.
IV
Ia caindo o sol. Bem reclinado
No vagaroso coche madornando,
Depois de bem jantar fazendo a sesta,
Roncava um nédio, um barrigudo frade:
Bochechas e nariz, em cima uns óculos,
Vermelho solidéu... enfim um bispo,
E um bispo, senhor Deus! da idade média,
Em que os bispos —como hoje e mais ainda —
Sob o peso da cruz bem rubicundos,
Dormindo bem, e a regalar bebendo,
Sabiam engordar na sinecura;
Papudos santarrões, depois da Missa
Lançando ao povo a bênção —por dinheiro!
O cocheiro ia bêbado por certo;
Os cavalos tocou p'lo bom caminho
Mesmo em cima das pernas do cadáver.
Refugou a parelha, mas o sota
—Que ao sol da glória episcopal enchia
De orgulho e de insolência o couro inerte,
Cuspindo o poviléu, como um fidalgo —
Que em falta de miolo tinha vinho
Na cabeça devassa, deu de esporas:
Como passara sobre a vil carniça
Reléu de corvos negros —foi por cima. . .
Mas desgraça! maldito aquele morto!
Desgraça!... não porque pisasse o coche
Aqueles magros ossos, mas a roda
Na humana resistência deu estalo...
E acorda o fradalhão...
"O que sucede?
—Pergunta bocejando: —É algum bêbado?
Em que bicho pisaram?"
"Senh or bispo"
Diz o servo da Igreja, o bom cocheiro
Ao vigário de Cristo, ao santo Apóstolo
Isto é —dessa fidalga raça nova
Que não anda de pé como S. Pedro,
Nem estafa os corcéis de S. Francisco:
"Perdoe Vossa Excelência Eminentíssima;
É um pobre- diabo de poeta,
Um homem sem miolo e sem barriga
Que lembrou -se de vir morrer na estrada!"
"Abrenúncio! —rouqueja o Santo Bispo —
Leve o Diabo essa tribo de boêmios!
Não há tanto lugar onde se morra?
Maldita gente! inda persegue os Santos
Depois que o Diabo a leva!..."
E foi caminho.
Leve- te Deus! Apóstolo da crença,
Da esperança e da santa caridade!
Tu, sim, és religioso e nos altares
Vem cada sacristão, e cada monge
Agitar a teus pés o seu turíbulo!
E o sangue do Senhor no cálix d'oiro
Da turba na oração te banha os lábios...
Leve- te Deus, Apóstolo da crença!
Sem padres como tu que fora o mundo?
É por ti que o altar apóia o trono!
E teu olhar que fertiliza os vales
Fecunda a vinha santa do Messias!
Leve-te Deus... ou leve -te o Demônio!
V
Caiu a noite, do azulado manto,
Como gotas de orvalho, sacudindo
Estrelas cintilantes. —Veio a lua
Banhando de tristeza o céu noturno:
Derrama aoscorações melancolia,
Derrama no ar cheiroso molente
Cerúlea chama, dia incerto e pálido
Que ao lado da floresta ajunta as sombras
E lança pelas águas da campina
Alvacentos clarões que as flores bebem.
A galope, de volta do noivado,
Passa o Conde Solfier, e a noiva Elfrida.
Seguem fidalgos que o sarau reclama.
Elfrida
—Não vês, Solfier, ali da estrada em meio
Um defunto estendido? —
Solfier
—Ó minha Elfrida,
Voltemos desse lado: outro caminho
Se dirige ao castelo. É mau agouro
Por um morto passar em noites destas. —
Mas Elfrida aproxima o seu cavalo.
Elfrida
—Tancredo!... vede! é o trovador Tancredo!
Coitado! assim morrer! um pobre moço!
Sem mãe e sem irmã! E não o enterram?
Neste mundo não teve um só amigo? —
"Ninguém, senhora! —respondeu da sombra
Uma dorida voz: —Eu vim, há pouco,
Ao saber que do povo no abandono
Jazia como um cão. Eu vim, e eu mesmo
Cavei junto do lago a cova impura."
Elfrida
—Tendes um coração. Tomai, mancebo,
Tomai essa pulseira... Em oiro e jóias
Tem bastante p'ra erguer-lhe um monumento,
E para longas missas lhe dizerem
Pelo repouso d'alma... —
O moço riu- se.
O Desconhecido
—Obrigado. Guardai as vossas jóias.
Tancredo o trovador morreu de fome;
Passaram-lhe no corpo frio e morto,
Salpicaram de lodo a face dele,
Talvez cuspissem nesta fronte santa
Cheia outrora de eternas fantasias,
De idéias a valer um mundo inteiro!...
Por que lançar esmolas ao cadáver?
Leva- as, fidalga —tuas jóias belas!
O orgulho do plebeu as vê sorrindo.
Missas... bem sabe Deus se neste mundo
Gemeu alma tão pura como a dele!
Foi um anjo, e murchou -se como as flores,
Morreu sorrindo como as virgens morrem!
Alma d oce que os homens enjeitaram,
Lírio que profanou a turba imunda,
Oh! não te mancharei nem a lembrança
Com o óbolo dos ricos! Pobre corpo,
És o templo deserto, onde habitava
O Deus que em ti sofreu por um momento!
Dorme, pobre Tancredo! eu tenho braços:
Na cova negra dormirás tranqüilo. . .
Tu repousas ao menos!. . .
........................................
No entanto sofreando a custo a raiva,
Mordendo os lábios de soberba e fúria,
Solfier da bainha arranca a espada,
Avança ao moço e brada -lhe:
"Insolente!
Cala-te, doudo! Cala - te, mendigo!
Não vês quem te falou? Curva o joelho,
Tira o gorro, vilão!"
O Desconhecido
—Tu vês: não tremo.
Tu não vales o vento que salpica
Tua fronte de pó. Porque és fidalgo,
Não sa bes que um punhal vale uma espada
Dentro do coração? —
Mas logo Elfrida:
"Acalma -te, Solfier! O triste moço
Desespera, blasfema e não me insulta.
Perdoa-me também, mancebo triste;
Não pensei ofender ta manho orgulho.
Tua mágoa respeito. Só te imploro
Que sobre a fronte ao trovador desfolhes
Essas flores, as flores do noivado
De uma triste mulher... E quanto às jóias,
Lança-as no lago. . . Mas quem és? teu nome?"
O Desconhecido
—Quem sou? um doudo, uma alma de insensato,
Que Deus maldisse e que Satã devora;
Um corpo moribundo em que se nutre
Uma centelha de pungente fogo,
Um raio divinal que dói e mata,
Que doira as nuvens e amortalha a terra!...
Uma alma como o pó em que se pisa ;
Um bastardo de Deus, um vagabundo
A que o gênio gravou na fronte —anátema!
Desses que a turba com o dedo aponta. . .
Mas não; não hei de sê -lo! eu juro n'alma,
Pela caveira, pelas negras cinzas
De minha mãe o juro... agora há pouco
Junto de um morto ren eguei do gênio,
Quebrei a lira à pedra de um sepulcro. . .
Eu era um trovador, sou um mendigo... —
Ergueu do chão a dádiva d'Elfrida;
Roçou as flores aos trementes lábios;
Beijou -as. Sobre o peito de Tancredo
Pousou- as lentamente...
—Em nome dele,
Agradeço estas flores do teu seio,
Anjo que sobre um túmulo desfolhas
Tuas últimas flores de donzela! —
Depois vibrou na lira estranhas mágoas,
Carpiu à longa noite escuras nênias,
Can tou: banhou de lágrimas o morto.
De repente parou —vibrou a lira
Co'as mãos iradas trêmulas... e as cordas
Uma per uma rebentou cantando...
Tinha fogo no crânio, e sufocava.
Passou a fria mão nas fontes úmidas,
Abriu a medo os lábios convulsivos,
Sorriu de desespero —e sempre rindo
Quebrou as jóias e as lançou no abismo...
VI
No outro dia, na borda do caminho
Deitado ao pé de um fosso aberto apenas
Viu-se um mancebo loiro que morria. . .
Semblante feminil, e formas débeis,
Mas nos palores da espaç osa fronte
Uma sombria dor cavara sulcos.
Corria sobre os lábios alvacentos
Uma leve umidez, um ló d'escuma,
E seus dentes a raiva constringira...
Tinha os punhos cerrados. . . Sobre o peito
Acharam letras de uma língua estranha...
E um vidro sem licor. . . fora veneno!...
Ninguém o conheceu; mas conta o povo
Que, ao lançá- lo no túmulo, o coveiro
Quis roubar-lhe o gibão —despiu o moço...
E viu. . . talvez é falso. . . níveos seios...
Um corpo de mulher de formas puras...
VII
Na tumba dormem os mistérios d’ambos;
Da morte o negro véu não há erguê -lo!
Romance obscuro de paixões ignotas,
Poema d'esperança e desventura,
Quando a aurora mais bela os encantava,
Talvez rompeu -se no sepulcro deles!
Não pode o bardo revelar segredos
Que levaram ao céu as ternas sombras;
Desfolha apenas nessas frontes puras
Da extrema inspiração as flores murchas...
Manuel Antônio Álvares de Azevedo1 (São Paulo, 12 de setembro de 1831 — Rio de Janeiro, 25 de abril de 1852) foi um escritor da segunda geração romântica (Ultra-Romântica, Byroniana ou Mal-do-século), contista, dramaturgo, poeta e ensaísta brasileiro, autor de Noite na Taverna.2 3
Biografia
Filho de Inácio Manuel Álvares de Azevedo e Maria Luísa Mota Azevedo, passou a infância no Rio de Janeiro, onde iniciou seus estudos. Voltou a São Paulo, em 1847, para estudar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde, desde logo, ganhou fama por brilhantes e precoces produções literárias. Destacou-se pela facilidade de aprender línguas e pelo espírito jovial e sentimental.4
Durante o curso de Direito traduziu o quinto ato de Otelo, de Shakespeare; traduziu Parisina, de Lord Byron; fundou a revista da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano (1849); fez parte da Sociedade Epicureia; e iniciou o poema épico O Conde Lopo, do qual só restaram fragmentos.
Não concluiu o curso, pois foi acometido de uma tuberculose pulmonar nas férias de 1851-52, a qual foi agravada por um tumor na fossa ilíaca, ocasionado por uma queda de cavalo, falecendo aos 21 anos.5
A sua obra compreende: Poesias diversas, Poema do Frade, o drama Macário, o romance O Livro de Fra Gondicário, Noite na Taverna, Cartas, vários Ensaios (Literatura e civilização em Portugal, Lucano, George Sand, Jacques Rolla) e Lira dos vinte anos
Suas principais influências são: Lord Byron, Goethe, François-René de Chateaubriand, mas principalmente Alfred de Musset.
Figura na antologia do cancioneiro nacional. Foi muito lido até as duas primeiras décadas do século XX, com constantes reedições de sua poesia e antologias. As últimas encenações de seu drama Macário foram em 1994 e 2001. É patrono da cadeira 2 da Academia Brasileira de Letras.
Lira dos Vinte Anos
Lira dos Vinte Anos (inicialmente planejada para ser publicada num projeto — As Três Liras — em conjunto com Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães).6 é o título da principal obra do autor. Segundo alguns pesquisadores, o nome da coleção de poesias se dava ao fato de ter existido uma garota — a qual, até hoje, ninguém sabe a identidade, muito bem escondida pelo Dr. Jaci Monteiro — que tocava esse instrumento.
É evidente a explicitação de Álvares de Azevedo na postura consciente do fazer poético, afinal em seus prefácios há um alto grau de conhecimento quanto à proposta ultra-romântica, a qual exibe um certo metarromantismo marcada pelo senso crítico.
É o primeiro a incorporar o cotidiano na poesia no Brasil, com o poemas Ideias íntimas, da segunda parte da Lira. O autor de Lira dos Vinte Anos estabelece valores e critérios a sua obra. Revela-se, assim, uma verdadeira teorização programada da obra, transformando-se numa verdadeira teoria do conhecimento dos textos poéticos apresentados.
No segundo prefácio de Lira dos Vinte Anos, o seu autor nos revela a sua intencionalidade e o vincula de tal maneira ao texto poético, que a gratuidade e autonomia perde espaço e revela a intencionalidade do poeta, isto é, explicação de temas, motivos e outros elementos.
Um aspecto característico de sua obra e que tem estimulado mais discussão diz respeito à sua poética, que ele mesmo definiu como uma "binomia", que consiste em aproximar extremos, numa atitude tipicamente romântica. É importante salientar o prefácio à segunda parte da Lira dos Vinte Anos, um dos pontos críticos de sua obra e na qual define toda a sua poética.
Machado de Assis publicou no jornal “Semana Literária”, em 26 de junho de 1866 uma análise de Lira dos vinte anos.
Atualmente tem suscitado alguns estudos acadêmicos, dos quais sublinham-se "O Belo e o Disforme", de Cilaine Alves Cunha (EDUSP, 2000), e "Entusiasmo indianista e ironia byroniana" (Tese de Doutorado, USP, 2000); "O poeta leitor. Um estudo das epígrafes hugoanas em Álvares de Azevedo", de Maria C. R. Alves (Dissertação de Mestrado, USP, 1999); "Álvares de Azevedo: A busca de uma literatura consciente", de Gilmar Tenorio Santini (Dissertação de Mestrado, UNESP, 2007).
O crítico literário Alexei Bueno faz uma interessante observação sobre a "característica quase esquizoide da alma de Álvares de Azevedo", a dissociação entre sua obra "onde não faltam bebedeiras e orgias altamente byronianas" e sua vida pacata de "excelente e responsabilíssimo aluno, de enorme afeição familiar e provavelmente bastante casto".7
Trabalhos
Devido a sua morte prematura, todos os trabalhos de Álvares de Azevedo foram publicados postumamente.
Lira dos Vinte Anos (1853, antologia poética);
Macário (1855, peça de teatro);
Noite na Taverna (1855, contos);
O Conde Lopo (Juaréz Cavalcante)
Álvares de Azevedo também escreveu muitas cartas e ensaios e traduziu para o português o poema Parisina, de Lorde Byron, e o quinto ato de Otelo, de William Shakespeare.
Cronologia
1831, 12 de setembro – Nascido em São Paulo, na esquina da rua da Feira com a rua Cruz Preta, atuais Senador Feijó e Quintino Bocaiuva.
1831 – Transfere-se para o Rio de Janeiro.
1835 – Morre a 26 de junho seu irmão mais novo, Inácio Manuel, em Niterói, deixando o futuro poeta profundamente abalado.
1840 – É matriculado no Colégio Stoll, em Botafogo. Seu desempenho rende elogios do proprietário do colégio, o Dr. Stoll: "Ele reúne, o que é muito raro, a maior inocência de costumes à mais vasta capacidade intelectual que já encontrei na América num menino da sua idade".
1844 – Transfere-se para São Paulo, após estudos de francês, inglês e latim volta para o Rio no fim do ano.
1845 – Matricula-se no 5º ano do internato do Colégio Pedro II, no Rio, onde muito sofreu, devido ao gênio folgazão, que o levava a caricaturar colegas e professores.
1846 – Cursa o 6ª ano no mesmo colégio, tendo como professor Domingos José Gonçalves de Magalhães.
1847 – Recebe, a 5 de dezembro, o grau de bacharel em Letras.
1848 – Ingressa, a 1 de março na Faculdade de Direito de São Paulo, onde conhece, entre outros, José de Alencar e Bernardo Guimarães.
1849 – Matricula-se no 2º ano. Pronuncia um discurso a 11 de agosto, na sessão comemorativa do aniversário da criação dos cursos jurídicos no Brasil. Passa as férias no Rio, com constantes pensamentos de morte.
1850 – Escreve "um romance de 200 e tantas páginas, dois poemas, um em 5 e outro em 2 cantos, ensaios, fragmento de poema em linguagem muito antiga" (hoje perdido). A 9 de maio, profere o discurso inaugural da sociedade "Ensaio Filosófico". De volta a São Paulo, matricula-se no 3º ano. Em setembro, suicida-se, por amor, o quintanista Feliciano Coelho Duarte, o poeta faz, a 12 do mesmo mês, o discurso de adeus.
1851 – Cursa o 4º ano. Em 15 de setembro, morre João Batista da Silva Pereira. Passa as férias em Itaboraí, na fazenda do avô. Pressente a morte e diz que não vai voltar a São Paulo.
1852, 25 de abril – Após complicações advindas de uma queda de cavalo, no município de Itaboraí, no trajeto de Visconde para Porto das Caixas. Cria-se um tumor na fossa ilíaca que tentou ser retirado segundo alguns biólogos sem anestesia, a ferida infecciona e após 40 dias de febre alta falece, às 17 horas no Rio de Janeiro em casa. É enterrado no dia seguinte, num cemitério na praia vermelha na zona sul do Rio de Janeiro que mais tarde viria a ser destruído pelo mar em ressaca. Segundo biógrafos seu cachorro teria encontrado seus restos mortais. Hoje está sepultado no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, num mausoléu da família perto dos túmulos de Floriano Peixoto e outros grandes nomes do final do séc. XIX — tendo sido o décimo segundo a ser sepultado nesse cemitério inaugurado em 1854, como consta da primeira página de seu livro de registros.8
Obra
1853 Poesias de Manuel Antônio Álvares de Azevedo, Lira dos Vinte Anos (única obra preparada para publicação pelo autor) e Poesias diversas;
1855 Obras de Manuel Antônio Álvares de Azevedo, primeira publicação da sua prosa (Noite na Taverna);
1862 Obras de Manuel Antônio Álvares de Azevedo, 2ª e 3ª edições, primeira aparição do Poema do Frade e 3ª parte da Lira.
1866 O Conde Lopo, poema inédito.
Merece um destaque especial a "Lira dos Vinte Anos", composta de diversos poemas. A Lira é dividida em três partes, sendo a primeira e a terceira da Face Ariel e a segunda da Face Caliban. A Face Ariel mostra um Álvares de Azevedo ingênuo, casto e inocente. Já a Face Caliban apresenta poemas irônicos e sarcásticos.
Biografia
Filho de Inácio Manuel Álvares de Azevedo e Maria Luísa Mota Azevedo, passou a infância no Rio de Janeiro, onde iniciou seus estudos. Voltou a São Paulo, em 1847, para estudar na Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, onde, desde logo, ganhou fama por brilhantes e precoces produções literárias. Destacou-se pela facilidade de aprender línguas e pelo espírito jovial e sentimental.4
Durante o curso de Direito traduziu o quinto ato de Otelo, de Shakespeare; traduziu Parisina, de Lord Byron; fundou a revista da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano (1849); fez parte da Sociedade Epicureia; e iniciou o poema épico O Conde Lopo, do qual só restaram fragmentos.
Não concluiu o curso, pois foi acometido de uma tuberculose pulmonar nas férias de 1851-52, a qual foi agravada por um tumor na fossa ilíaca, ocasionado por uma queda de cavalo, falecendo aos 21 anos.5
A sua obra compreende: Poesias diversas, Poema do Frade, o drama Macário, o romance O Livro de Fra Gondicário, Noite na Taverna, Cartas, vários Ensaios (Literatura e civilização em Portugal, Lucano, George Sand, Jacques Rolla) e Lira dos vinte anos
Suas principais influências são: Lord Byron, Goethe, François-René de Chateaubriand, mas principalmente Alfred de Musset.
Figura na antologia do cancioneiro nacional. Foi muito lido até as duas primeiras décadas do século XX, com constantes reedições de sua poesia e antologias. As últimas encenações de seu drama Macário foram em 1994 e 2001. É patrono da cadeira 2 da Academia Brasileira de Letras.
Lira dos Vinte Anos
Lira dos Vinte Anos (inicialmente planejada para ser publicada num projeto — As Três Liras — em conjunto com Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães).6 é o título da principal obra do autor. Segundo alguns pesquisadores, o nome da coleção de poesias se dava ao fato de ter existido uma garota — a qual, até hoje, ninguém sabe a identidade, muito bem escondida pelo Dr. Jaci Monteiro — que tocava esse instrumento.
É evidente a explicitação de Álvares de Azevedo na postura consciente do fazer poético, afinal em seus prefácios há um alto grau de conhecimento quanto à proposta ultra-romântica, a qual exibe um certo metarromantismo marcada pelo senso crítico.
É o primeiro a incorporar o cotidiano na poesia no Brasil, com o poemas Ideias íntimas, da segunda parte da Lira. O autor de Lira dos Vinte Anos estabelece valores e critérios a sua obra. Revela-se, assim, uma verdadeira teorização programada da obra, transformando-se numa verdadeira teoria do conhecimento dos textos poéticos apresentados.
No segundo prefácio de Lira dos Vinte Anos, o seu autor nos revela a sua intencionalidade e o vincula de tal maneira ao texto poético, que a gratuidade e autonomia perde espaço e revela a intencionalidade do poeta, isto é, explicação de temas, motivos e outros elementos.
Um aspecto característico de sua obra e que tem estimulado mais discussão diz respeito à sua poética, que ele mesmo definiu como uma "binomia", que consiste em aproximar extremos, numa atitude tipicamente romântica. É importante salientar o prefácio à segunda parte da Lira dos Vinte Anos, um dos pontos críticos de sua obra e na qual define toda a sua poética.
Machado de Assis publicou no jornal “Semana Literária”, em 26 de junho de 1866 uma análise de Lira dos vinte anos.
Atualmente tem suscitado alguns estudos acadêmicos, dos quais sublinham-se "O Belo e o Disforme", de Cilaine Alves Cunha (EDUSP, 2000), e "Entusiasmo indianista e ironia byroniana" (Tese de Doutorado, USP, 2000); "O poeta leitor. Um estudo das epígrafes hugoanas em Álvares de Azevedo", de Maria C. R. Alves (Dissertação de Mestrado, USP, 1999); "Álvares de Azevedo: A busca de uma literatura consciente", de Gilmar Tenorio Santini (Dissertação de Mestrado, UNESP, 2007).
O crítico literário Alexei Bueno faz uma interessante observação sobre a "característica quase esquizoide da alma de Álvares de Azevedo", a dissociação entre sua obra "onde não faltam bebedeiras e orgias altamente byronianas" e sua vida pacata de "excelente e responsabilíssimo aluno, de enorme afeição familiar e provavelmente bastante casto".7
Trabalhos
Devido a sua morte prematura, todos os trabalhos de Álvares de Azevedo foram publicados postumamente.
Lira dos Vinte Anos (1853, antologia poética);
Macário (1855, peça de teatro);
Noite na Taverna (1855, contos);
O Conde Lopo (Juaréz Cavalcante)
Álvares de Azevedo também escreveu muitas cartas e ensaios e traduziu para o português o poema Parisina, de Lorde Byron, e o quinto ato de Otelo, de William Shakespeare.
Cronologia
1831, 12 de setembro – Nascido em São Paulo, na esquina da rua da Feira com a rua Cruz Preta, atuais Senador Feijó e Quintino Bocaiuva.
1831 – Transfere-se para o Rio de Janeiro.
1835 – Morre a 26 de junho seu irmão mais novo, Inácio Manuel, em Niterói, deixando o futuro poeta profundamente abalado.
1840 – É matriculado no Colégio Stoll, em Botafogo. Seu desempenho rende elogios do proprietário do colégio, o Dr. Stoll: "Ele reúne, o que é muito raro, a maior inocência de costumes à mais vasta capacidade intelectual que já encontrei na América num menino da sua idade".
1844 – Transfere-se para São Paulo, após estudos de francês, inglês e latim volta para o Rio no fim do ano.
1845 – Matricula-se no 5º ano do internato do Colégio Pedro II, no Rio, onde muito sofreu, devido ao gênio folgazão, que o levava a caricaturar colegas e professores.
1846 – Cursa o 6ª ano no mesmo colégio, tendo como professor Domingos José Gonçalves de Magalhães.
1847 – Recebe, a 5 de dezembro, o grau de bacharel em Letras.
1848 – Ingressa, a 1 de março na Faculdade de Direito de São Paulo, onde conhece, entre outros, José de Alencar e Bernardo Guimarães.
1849 – Matricula-se no 2º ano. Pronuncia um discurso a 11 de agosto, na sessão comemorativa do aniversário da criação dos cursos jurídicos no Brasil. Passa as férias no Rio, com constantes pensamentos de morte.
1850 – Escreve "um romance de 200 e tantas páginas, dois poemas, um em 5 e outro em 2 cantos, ensaios, fragmento de poema em linguagem muito antiga" (hoje perdido). A 9 de maio, profere o discurso inaugural da sociedade "Ensaio Filosófico". De volta a São Paulo, matricula-se no 3º ano. Em setembro, suicida-se, por amor, o quintanista Feliciano Coelho Duarte, o poeta faz, a 12 do mesmo mês, o discurso de adeus.
1851 – Cursa o 4º ano. Em 15 de setembro, morre João Batista da Silva Pereira. Passa as férias em Itaboraí, na fazenda do avô. Pressente a morte e diz que não vai voltar a São Paulo.
1852, 25 de abril – Após complicações advindas de uma queda de cavalo, no município de Itaboraí, no trajeto de Visconde para Porto das Caixas. Cria-se um tumor na fossa ilíaca que tentou ser retirado segundo alguns biólogos sem anestesia, a ferida infecciona e após 40 dias de febre alta falece, às 17 horas no Rio de Janeiro em casa. É enterrado no dia seguinte, num cemitério na praia vermelha na zona sul do Rio de Janeiro que mais tarde viria a ser destruído pelo mar em ressaca. Segundo biógrafos seu cachorro teria encontrado seus restos mortais. Hoje está sepultado no Cemitério São João Batista, no Rio de Janeiro, num mausoléu da família perto dos túmulos de Floriano Peixoto e outros grandes nomes do final do séc. XIX — tendo sido o décimo segundo a ser sepultado nesse cemitério inaugurado em 1854, como consta da primeira página de seu livro de registros.8
Obra
1853 Poesias de Manuel Antônio Álvares de Azevedo, Lira dos Vinte Anos (única obra preparada para publicação pelo autor) e Poesias diversas;
1855 Obras de Manuel Antônio Álvares de Azevedo, primeira publicação da sua prosa (Noite na Taverna);
1862 Obras de Manuel Antônio Álvares de Azevedo, 2ª e 3ª edições, primeira aparição do Poema do Frade e 3ª parte da Lira.
1866 O Conde Lopo, poema inédito.
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Poesia: Manuel Antônio Álvares de Azevedo - Um Cadáver de Poeta - Bio data
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